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"OS HUMANOS TÊM CORPOS"

Como podemos nos proteger de guerras nucleares, cataclismos ambientais e crises tecnológicas? O que fazer sobre a epidemia de fake news ou a ameaça do terrorismo? O que devemos ensinar aos nossos filhos?

 

Em Sapiens, Yuval Noah Harari mostrou de onde viemos; em Homo Deus, para onde vamos. 21 lições para o século 21 explora o presente e nos conduz por uma fascinante jornada pelos assuntos prementes da atualidade.

 

Seu novo livro trata sobre o desafio de manter o foco coletivo e individual em face a mudanças frequentes e desconcertantes. Seríamos ainda capazes de entender o mundo que criamos?

 

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"Os humanos têm corpos"​ é o capítulo 5 do livro "21 Lições para o Século 21" de Yuval Harari, e chamou a minha atenção dentre os outros artigos propostos pelo professor Bonelli pois eu já havia sido anteriormente introduzido à outra obra do autor, "Homo Deus - Uma Breve História do Amanhã". Porém, enquanto este último disserta acerca do futuro da humanidade, "21 Lições para o Século 21" foca no presente e nas muitas relações entre tecnologia e questões do mundo contemporâneo, como as eleições americanas e escândalos de privacidade da era digital.

Este capítulo do livro, "Os humanos têm corpos"​, expõe justamente um dos grandes problemas da sociedade contemporânea que é a fluidez das relações humanas - "as pessoas vivem vidas cada vez mais solitárias num planeta cada vez mais conectado". Este é o retrato da modernidade líquida, com um indivíduo sendo capaz de ostentar uma lista gigantesca de amigos ou de seguidores nas redes sociais, sem ter, de fato, nenhuma intimidade com essa comunidade. É o que entendemos como a banalização das conexões verdadeiras - quanto mais, melhor.

Por isso, é irônico que uma empresa como o Facebook, grande responsável por esse fenômeno, seja, como Harari alega, uma das principais vozes no projeto de fortalecimento das relações humanas. Em 2017, Mark Zuckerberg anunciou que uma das missões do Facebook seria agora a criação de uma comunidade global, um desafio e tanto dentro de um mundo polarizado e fragmentado como o nosso. Para isso, a empresa pretende fazer uso da tecnologia AI (Artificial Intelligence) para a criação de um algoritmo que conecte as pessoas com base no que elas tem em comum, sem que isso as limite a um único grupo - duas pessoas com opiniões políticas em extremos opostos podem se familiarizar uma com a outra em um grupo destinado à posts de fotos com gatinhos, por exemplo. A partir disso, cria-se uma ponte entre elas que talvez não fosse possível anteriormente, já que é mais fácil abrir um diálogo sobre discordâncias depois que se estabelecem características em comum entre os indivíduos. Isso é uma experiência que reforça a nossa capacidade de empatia.

"Nossas maiores oportunidades são globais – como espalhar a prosperidade e a liberdade, promover a paz e a compreensão, tirar as pessoas da pobreza e acelerar a ciência. (...) O progresso agora exige que a humanidade se una não como cidades ou nações, mas como uma comunidade global"

 

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​É engraçado ler o texto de Harari em meio à pandemia, em que a maioria das pessoas se encontram (eu espero) em casa e se relacionando com amigos e familiares distantes apenas por chamadas de vídeo, quando o texto de 2018 aponta a falta de profundidade entre as relações humana dentro de uma comunidade online - sendo isto a realidade de muita gente desde os primórdios de 2020.

 

Mas se analisarmos bem, a realidade pré Covid também não era muito diferente em relação à vida na internet. O conflito do homem moderno que passa mais tempo nas redes que na "vida real" está presente há muito tempo na nossa sociedade. Como o próprio título afirma, humanos têm corpos, e no mundo líquido em que vivemos nossos corpos vem perdendo cada vez mais a sua importância. Não precisamos mais sair de casa para socializar e podemos saber, em nível superficial, o que está acontecendo com todas as pessoas do nosso círculo social a partir da internet, o que nos torna preguiçosos e cada vez menos interessados no mundo físico. Afinal, temos acesso à tudo no poder de nosso toque.

 

Portanto, um interesse de empresas em fortalecer os laços humanos também infere em um desprendimento cada vez mais evidente da própria humanidade, ou pelo menos, de como ela era conhecida antes da era digital. Para essas empresas, os indivíduos podem ser compreendidos basicamente como um par de olhos e um par de orelhas conectados à dez dedos, uma tela e um cartão de crédito - sabendo que a ideia de comunidade deles é uma em que a pessoa passe cada vez mais tempo online, criando laços com mais pessoas do que jamais foi possível na história humana mas que, por sua vez, demonstram como 150 pode valer menos que 10.

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